Que Mário?

Nasci e vivo há quase 56 anos em São Leopoldo. Desde piá, via um estabelecimento no Centro da cidade, mas nunca havia entrado nele. Há pouco, fiz isso, num intervalo de uma espera necessária.

Quase 56 anos foi, também, o tempo necessário de espera para conhecer o antigo e tradicional Café Mário, acho que sempre mais boteco do que cafeteria nos finais de dia.

Lá dentro, ao fim da tarde desta sexta-feira saariana com temporal a se armar, havia uma dezena de homens, com idade próxima ou superior à minha, a beberem cerveja e destilados. O “forasteiro” solicitou o único croissant de chocolate disponível e uma xícara de café com leite.

Foi necessário esquentar leite para o pingado. O croissant foi aquecido e servido. Sentei à bancada e comi (o lanche não estava muito bom), à espera do café.

Ao meu lado, percebo três homens envelhecidos pelo cigarro e pelo trago. Pensei no tempo parado, nas vidas inertes à frente dos copos. Assim como o Café Mário, paradas e, em parte, esquecidas no tempo.

Todavia, justiça seja feita: o café ficou ótimo, leve e saboroso. A alma de cafeteria sobrevive.

Na hora de pagar, perguntei ao senhor que atendia todos, sozinho, há quantos anos existia o estabelecimento. Informou que há mais de setenta anos. Ele próprio trabalhava ali há mais de quarenta.

Contei-lhe que era capilé, que sempre vivi na cidade e que, desde guri, conhecia o Café Mário, mas era a primeira vez que entrava ali.

Ele calculou que esse tempo em que eu era guri seria há uns quarenta anos. Surpreendeu-se quando disse que estou perto dos 56. Fitou-me atento, em silêncio. Sim, pensei, não beber e não fumar tem suas vantagens.

Então, revelou que seu último dia de trabalho será no sábado da próxima semana, 23 de dezembro, e confidenciou: “Estou de saco cheio. Vou passar a bola”.

Olhei para ele e concordei: “É, é uma vida”.

Paguei o lanche, estendi-lhe a mão, agradeci e desejei-lhe “um bom descanso”.

Nada acontece por acaso, principalmente na vida de um cronista. Esse encontro era necessário, para eu conhecer a vida absorvida naquele balcão e desejar-lhe um bom descanso, uma nova etapa. Eu entrei no Café Mário, hoje, para saudar essa mudança.

No sábado, dia 23 de dezembro, além de comemorar meus 56 anos, vou lembrar que um novo ano, de uma nova vida, começará para mais alguém. Assim espero!

* Imagem captada pelo autor.

Publicado por eleniltosaldanhadamasceno

Sou professor de Língua Portuguesa e de Literatura, escritor, editor, revisor e jornalista. Sou mestre em Letras/Estudos de Literatura, especialista em Literatura Brasileira, graduado em Letras e em Jornalismo. Tenho 57 anos, nasci e sempre vivi em São Leopoldo/RS.

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