Nas transições entre capítulos de “O Continente”, primeira parte da trilogia “O tempo e o vento”, Érico Veríssimo insere pequenas histórias em prosa poética que escapam do fluxo da narrativa principal. São os chamados intermezzis ou interlúdios.
Segundo o professor Luiz Marobin, “nos interlúdios tudo assume feição lírica. O quadro desvincula-se dos compromissos com a exatidão histórica para, em estilo poético, retratar o mundo gaúcho num plano sentimental, lírico”.
Um desses interlúdios apresenta Mingote, Lulu, José e Chiru, membros da família Caré, a qual representa o povo à margem do desenvolvimento social no Rio Grande do Sul, na segunda metade do século 19. Através dessas personagens, representam-se a estratificação e a desigualdade social, os conflitos entre nativos e imigrantes alemães durante a colonização de regiões da Depressão Central e a participação da população empobrecida em combates bélicos, a serviço dos interesses das elites.
Esse interlúdio encerra-se com a personagem Chiru Caré, pai de uma miserável e numerosa família sem-terra que se assenta em Angico, com autorização do estancieiro Bolívar Cambará. Na eclosão da Guerra do Paraguai, Chiru é convocado para servir como “voluntário da pátria”. Nessa guerra, populações socialmente marginalizadas foram utilizadas em trincheiras e linhas de frente, com promessas futuras de reconhecimento e libertação. A guerra foi incutida em suas mentes como oportunidade de inserção social. Assim como Chiru Caré, tais combatentes desconheciam as razões pelas quais lutavam, foram explorados por falsas promessas e sacrificados pelos interesses das elites latifundiárias escravocratas ligadas ao governo imperial.
O tempo e o vento passam, mas os Caré permanecem.
DAMASCENO, Elenilto Saldanha. O tempo e o vento. Jornal VS, São Leopoldo, p. 10, 11 jul. 2022.
