Sobre “Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa”, de Paulo Freire (1)

Capítulo 1 – Não há docência sem discência

Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção ou construção. A pedagogia tradicional produz equívocos nas relações de ensino e aprendizagem ao considerar professores como sujeitos formadores e alunos como objetos por eles formados. Em reproduções permanentes, objetos formados tendem a se transformar em falsos sujeitos de formação de futuros objetos, ou seja, os alunos educados de forma condicionada tendem a se transformar em repetidores de conceitos e métodos diretivos em suas práticas como sujeitos educadores.

Ensinar inexiste sem o recíproco aprender. Nas relações dialógicas entre sujeitos, todos constroem e são formados. O conhecimento não é linearmente transferido de um sujeito para outros, mas é construção mútua entre pessoas que se dispõem a relacionar saberes e ações conjuntas.

Ensinar exige rigorosidade metódica. Nas relações de construção de conhecimento, práticas educacionais devem procurar aprimorar a rigorosidade metódica para aproximação e exploração de objetos e desenvolvimento de saberes. É necessário conhecer o conhecimento existente e estar aberto e apto à produção do conhecimento ainda não existente. Ensinar a pensar certo é ensinar a agir criticamente, a conhecer o mundo e a intervir nele.

Ensinar exige pesquisa. A pesquisa leva ao conhecimento daquilo que ainda não se conhece e à comunicação ou anúncio de novidades para socialização do aprendido. Pela atitude de pesquisa, a curiosidade ingênua do saber inicial é metamorfoseada em curiosidade epistemológica, crítica, com rigor metódico e construtiva, patamar constante para novos conhecimentos.

Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. Educadores, a partir do princípio de que também aprendem com os educandos, devem respeitar os saberes socialmente construídos pelos alunos na vida familiar e nas práticas comunitárias. Através do reconhecimento da realidade concreta, devem associar conteúdos a essa realidade para propiciarem aprendizagens significativas aos alunos, ao estabelecerem necessária intimidade entre saberes curriculares fundamentais aos alunos e experiências sociais que eles têm como indivíduos.

Ensinar exige criticidade. A curiosidade ingênua é propulsora da vontade de aprender. Aprender é processo de desenvolvimento e superação dessa vontade inicial, dessa curiosidade ingênua que se transforma, assim, em curiosidade epistemológica e crítica, em infinitas vontades de aprender e de intervir na realidade. A curiosidade muda de qualidade, mas não muda de essência. A curiosidade sempre tem essência criativa. Não há criatividade sem curiosidade. Ensinar é desenvolver curiosidade, criatividade e criticidade.

Ensinar exige estética e ética. A estética relaciona-se fundamentalmente com a ética no aspecto da formação moral e da decência. Pensar certo demanda profundidade, e não superficialidade, para compreensão e interpretação de fatos e ideias. Pensar é também aceitar mudanças ligadas, radicalmente, à coerência.

Ensinar exige corporificação de palavras pelo exemplo. Pensar certo é fazer certo e ser coerente. Práticas devem confirmar o pensar certo, devem testemunhar o pensar com coerência. Educadores devem ter segurança na argumentação e devem saber discordar sem ressentimentos, aceitar posições contrárias com generosidade.

Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. Pensar certo requer disponibilidade ao risco, aceitação do novo e recusa ao que é ultrapassado e não tem mais justificativa. Exige recusa total a discriminações e preconceitos, inconcebíveis na prática democrática. Pensar certo requer humildade e coerência para fazer e viver aquilo que se fala, com força de testemunho. É ato comunicante e entendimento coparticipado que desafia educandos ao estabelecimento de comunicação e produz compreensão sobre o que é comunicado. Essa intercomunicação baseia-se na dialogicidade, com uso de bom senso, para regulação de exageros e para promoção de diálogo, não de polêmica.

Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática. É necessário fazer e pensar sobre o fazer. O pensar certo tem que ser produzido pelos próprios aprendizes, em comunhão com os professores formadores. Através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, ao se perceber como tal, se torna crítica. Pensar criticamente a prática de hoje melhorará as próximas práticas e desencadeará processos de mudanças, análises, rupturas, decisões e novos compromissos. Pensar criticamente promove a justa raiva, que protesta contra injustiças, a deslealdade, o desamor, explorações e violências, mas que não deve se transformar em raivosidade e odiosidade.

Ensinar exige reconhecimento e assunção da identidade cultural. Requer consideração aos papéis dos indivíduos nos grupos sociais, convivência com afetividade e respeito aos outros para ser respeitado. Requer compreensão e valorização de sentimentos, desejos e necessidades e requer transformação de medo em coragem.

Foto por Agung Pandit Wiguna em Pexels.com

Publicado por eleniltosaldanhadamasceno

Sou professor de Língua Portuguesa e de Literatura, jornalista e iniciei, em 2020, minhas atividades como escritor em formação e em ação. Sou mestre em Letras/Estudos de Literatura, especialista em Literatura Brasileira, graduado em Letras e em Jornalismo. Tenho 54 anos, nasci e sempre vivi em São Leopoldo/RS.

Um comentário em “Sobre “Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa”, de Paulo Freire (1)

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: