Boa tarde a todas, a todos e a todes! Agradeço muito pela presença!
O meu livro, na realidade, é a transposição de uma pesquisa de dissertação de mestrado em Letras, na UFRGS. Eu recebi um convite de uma editora para publicar em um livro. Ele parte de dois elementos que eu achei importantes para desenvolver a pesquisa. Um é o próprio preconceito que existe no âmbito acadêmico para se colocar a Bíblia como um parâmetro de análise crítica literária. Eu, como cristão, senti essa dificuldade, porque achavam que eu ia confundir as minhas crenças e, de certa forma, induzir, a partir das minhas crenças, algum tipo de leitura direcionada. E a outra ponta desse processo é que também existe um forte preconceito em relação à Literatura no meio religioso, uma demonização da Literatura.
E eu, sempre, como leitor, desde a infância, e leitor de Machado desde a infância (por incrível que pareça, eu não sei por que, mas eu tive acesso ao cânone numa escola municipal na Vila Maria, aqui em São Leopoldo), eu sempre percebi, nas leituras do romance e do conto do Machado, uma forte presença de elementos do texto bíblico. E eu também me tornei um conhecedor do texto bíblico, e isso enriqueceu muito a leitura da obra do Machado.
Machado de Assis valorizava muito a tradição cultural. Então, ele é um escritor difícil, num certo aspecto, porque ele exige do leitor, ele provoca o leitor a buscar um conhecimento que, às vezes, ele não tem. Um conhecimento que está na tradição filosófica, na tradição cultural, na tradição histórica, também na tradição religiosa. Machado não era ateu, ele tinha uma crença religiosa e ele colocava a Bíblia como um alto padrão de proposição moral. E pelo que eu percebi nesse tempo, eu sempre observei que o Machado utilizava o texto bíblico para denunciar a hipocrisia de uma sociedade que se dizia cristã e promovia aberrações como a escravidão. A gente tem que ressaltar que Machado de Assis era um escritor negro num período em que havia escravidão neste país. E é um escritor negro que, ainda hoje, por boa parte da crítica, é considerado o maior escritor da Literatura Brasileira e um dos grandes escritores da Literatura Universal em Língua Portuguesa.
Com a minha formação de jornalista, também, eu achei mais interessante analisar a presença dos textos do Novo Testamento nas crônicas de Machado de Assis, porque ele produziu durante 45 anos nos jornais do Rio de Janeiro. São registros históricos de toda a segunda metade do século XIX.
Então, a ideia foi esta: romper esses preconceitos que existiam tanto na Academia quanto na leitura do texto bíblico, porque a Bíblia sempre foi referência para grandes escritores, para grandes filósofos. A Bíblia precisa ser lida literariamente, e não literalmente, ao pé da letra. Isso é a leitura fundamentalista. Eu creio que a leitura literária, a capacidade de nós fazermos essa leitura literária enriquece muito os aspectos do humano na Bíblia.
Então, vocês podem observar o quanto Machado foi pertinente, foi corajoso e o quanto ele ainda é atual, principalmente nesta sociedade que, nos últimos anos, tem se anunciado em nome de Deus, a verdade de Deus, como uma sociedade cristã e um Estado, inclusive, querendo se erigir como um Estado de imposição cristã, e a gente só vê barbárie, vê tudo o que é contrário ao Evangelho da Paz, a um Deus que é Amor.
Então, acho que Machado hoje, se ele foi tão sutil naquela época, hoje, provavelmente, ele iria deitar e rolar na sua crítica em relação ao que nós somos como país que se diz cristão.
* A fala foi realizada durante o lançamento de “Textos do Novo Testamento nas crônicas de Machado de Assis” em sessão coletiva de lançamentos realizada no dia 12 de dezembro de 2021, às 18 horas, evento da programação oficial da 35ª Feira do Livro de São Leopoldo. O registro em vídeo foi realizado por Jéssica Vidal Damasceno, minha filha.
DAMASCENO, Elenilto Saldanha. Lançamento de “Textos do Novo Testamento nas crônicas de Machado de Assis” na 35ª Feira do Livro de São Leopoldo. São Leopoldo, Secretaria Municipal de Cultura de São Leopoldo, 12 dez. 2021. Apresentação pública.
