Se aprecias Literatura, é provável que já tenhas acompanhado um narrador autodiegético, uma personagem que vivencia e narra sua história. A narrativa em primeira pessoa acarreta importantes consequências ao relato, decorrentes do conhecimento restrito do narrador sobre os eventos narrados.
O narrador autodiegético apresenta visão parcial e limitada dos fatos, na qual preponderam suas impressões e sentimentos. Não tem conhecimento da totalidade das ações e situações nem acesso às mentes e razões das demais personagens. Ele revela-se personagem-pessoa e centro fixo da narração. É sujeito do enunciado e de ações. Acompanha tudo de uma perspectiva interna, representada em discurso em monólogo. A partir dele, o conhecemos; a partir dele, se nos apresentam os fatos. Tudo é mostrado a partir de suas percepções. A narração retrata mais seus pensamentos e emoções do que a realidade. Gradualmente, revela-nos o que conhece, do modo como vê. Aquilo que lhe é externo ganha os contornos da sua subjetividade. Portanto, seu conhecimento sobre os eventos narrados é limitado e restrito à própria consciência.
O narrador autodiegético envolve-nos ao expor saberes adquiridos em suas experiências de vida. Porém, sua pressuposta onisciência e seus juízos a respeito do que viveu são falhos, pois estão impregnados de sua subjetividade. Ele restringe os demais elementos da narrativa, pois tudo que lhe é exterior está limitado e conformado à sua interioridade. O universo psicológico do narrador-personagem destaca-se e ele centraliza a representação do universo ficcional, ou seja, torna-se centro daquilo que é apenas parte.
De certa forma, todo ser humano narra sua história de vida, sua narrativa do eu, como um narrador autodiegético.
DAMASCENO, Elenilto Saldanha. Narrativa do eu. Jornal VS, São Leopoldo, p. 10, 6 dez. 2021.
