Na obra As aventuras de Alice no País das Maravilhas, do escritor inglês Lewis Carroll, há um capítulo intitulado Um chá muito louco, no qual Alice vai à casa da Lebre de Março e a encontra a tomar chá com o Chapeleiro e Arganaz, um rato silvestre. Nessa cena, o tempo está parado, indefinidamente, às seis horas da tarde. Assim, o chá vespertino nunca será concluído. O Chapeleiro propõe charadas sem respostas, e os diálogos, construídos com jogos de palavras, criam situações de impasse e caráter absurdo.
A narrativa literária é um clássico do subgênero non sense (não-sentido), cujo estilo de linguagem desconstrói os consensos de que tudo que pareça lógico seja verdadeiro e de que sempre se estabelece uma verdade para os fatos. Nesse tipo de narrativa, despontam situações de impasse que, às vezes, não levam a nada. O non sense rompe a lógica racional e instaura outra lógica, crítica aos sentidos preestabelecidos. Nega o sentido afirmado, através do paradoxo e da ambiguidade, e realça a contradição, o estranhamento e a ausência de respostas e sínteses absolutas.
Ao transportar esses conceitos para os dias atuais, infestados de desinformação, de narrativas e ideias sem sentido e até estapafúrdias, é bem lógico relacionar o non sense e essa profusão de fake news. Contudo, é necessário ressaltar que o non sense suscita questões perturbadoras a partir de proposições antilógicas criadas pela experimentação inteligente das potencialidades da linguagem, ao passo que a ilogicidade das fake news desperta, muitas vezes, a dúvida de que, de fato, a inteligência seja inerente a toda a espécie humana. Quiçá este nosso tempo atormentado por fake news não permaneça paralisado como o tempo do chá maluco.
DAMASCENO, Elenilto Saldanha. Alice no País das Fake News. Jornal VS, São Leopoldo, p. 10, 24 maio 2022.
