A lírica trovadoresca surge entre os séculos XI e XIII, com o desenvolvimento de literaturas nacionais.
A partir do século XII, tornam-se distintos dois modelos literários específicos na França, os quais se irradiam para outros lugares: no Norte, um modelo baseado em feitos épicos, lutas e códigos de valores da cavalaria, tipificado nas canções de gesta; no Sul, particularmente na região de Provença, desenvolve-se a lírica trovadoresca, fundamentada no amor cortês, galanteio e musicalidade, sentimento individual de idealização do amor, exaltação da mulher, vassalagem amorosa e coita de amor. A lírica trovadoresca provençal exerce papel importantíssimo na constituição da literatura nacional que surge em Portugal.
As cantigas trovadorescas portuguesas podem ser divididas, genericamente, em dois tipos: cantigas lírico-amorosas e cantigas satíricas.
As cantigas lírico-amorosas subdividem-se em dois tipos principais: cantigas de amor e cantigas de amigo. Da mesma forma, as cantigas satíricas subdividem-se em duas modalidades: cantigas de escárnio e cantigas de maldizer.
O cancioneiro popular brasileiro e a literatura de cordel receberam influências marcantes na abordagem e caracterização de alguns temas específicos, as quais são legados das cantigas trovadorescas lírico-amorosas portuguesas, ou seja, das cantigas de amor e de amigo.
Nas cantigas de amor, o eu-lírico é masculino (autoria masculina e representação do sentimento masculino). Conforme menção anterior, as cantigas de amor têm origem provençal. Retratam o amor cortês, sentimento sublime, delicado e platônico em que a mulher amada é senhora inatingível, e ambientes aristocráticos e palacianos. Esse amor parece tão mais sublime quanto mais sofrido. O eu-poético ama e enaltece a “coita” de amor (palavra derivada do verbo latino coctare / “sofrer”, que origina o substantivo coctus / “dor, sofrimento”, do qual surge o vocábulo “coita”).
Nas cantigas de amigo, o eu-lírico é feminino (autoria masculina, mas representação do sentimento feminino). As cantigas de amigo têm origem galego-portuguesa, na adaptação do cancioneiro folclórico e popular de então à lírica trovadoresca. O amado é chamado de amigo e, em uma estrutura dialógica, surge a figura interlocutora para a confidência amorosa. A mulher é representada de forma mais real e concreta. Os ambientes apresentados são rústicos (campos, beira-mar, aldeias). A junção ao popular justifica a maior simplicidade formal e de linguagem e a presença mais marcante do ritmo e da dança.
Essas propriedades específicas dos dois tipos de cantigas lírico-amorosas permitem associações de forma e conteúdo com nosso cancioneiro popular, as quais evidenciam legados culturais que configuram aspecto de universalidade à lírica trovadoresca. Salienta-se a permanência do imaginário e do sentimento medievo, particularmente em relação a um amor que foge da razão para tornar-se sentimento puro, mas também carnal; sublime, mas também de violenta entrega; repleto de felicidade, mas também de sofrimento; permeado por uniões, mas também por desencontros e saudade. Enfim, são representadas as contradições das criaturas humanas diante do amor.
Nas cantigas de amor, a figura do cavaleiro medieval representa a submissão absoluta do homem à dama amada, ao se colocar sob sua sujeição como humilde vassalo do amor. Promete honrá-la, servi-la com fidelidade e total abnegação. Esse eu-lírico despreza riquezas, poder e sua própria vontade e reconhece, na entrega total à senhora eleita, o verdadeiro sentido de sua vida.
A coita de amor, o sofrimento intenso pelo amor não realizado (sofrimento pior do que a morte) é o conteúdo temático mais abordado nas cantigas de amor. O olhar apaixonado é reflexo que expressa a adoração platônica e contemplativa. Os olhos são espelhos da alma que sofre por amor e de saudade.
A beleza física da mulher amada, louvada de forma etérea e comedida, também espelha ou retrata a beleza de seus sentimentos, como síntese dos atributos físicos e morais da senhora enaltecida.
Já nas cantigas de amigo, o eu-lírico feminino expressa sua angústia pela separação e/ou espera do regresso do amado.
Os ambientes retratados nas cantigas de amigo são naturais e rústicos. As crenças e tradições populares, como romarias, festas, rodas de dança e bailadas também são temas recorrentes. Tais aspectos confirmam a origem galego-portuguesa e o caráter popular das canções de amigo.
