Diferentemente dos cordéis portugueses, escritos e lidos por pessoas das camadas médias da população, o cordel nordestino surge, no final do século XIX, como manifestação cultural das classes sociais mais pobres, principais responsáveis por sua produção e disseminação no Brasil. Com suas peculiaridades de reprodução escrita e oral, a literatura de cordel torna-se emblemática na cultura popular brasileira.
O cordel associa a representação da realidade social nordestina a um contexto espaço-temporal muito distante: o imaginário medieval. Essa é uma de suas principais características. Batalhas heroicas, amores, sofrimentos, personalidades e ambientes medievais são transpostos para o contexto social de um povo pobre e sofrido, mas alegre e criativo. O cordel transforma feitos e figuras míticas em fatos e personagens regionais.
Um exemplo é o cordel “A história da princesa Corina”, de Augusto Ferraluso, história sobre o pescador Ramiro, oriundo de família pobre, com caráter nobre e coragem de cavaleiro medieval. Ramiro encontra um belo peixinho falante no mar, o qual é uma princesa enfeitiçada. O destemido pescador promete ajudá-la e enfrenta perigos para salvá-la. O final é feliz. O feitiço é quebrado, Ramiro e Corina casam-se. A narrativa estabelece intertextualidade com a clássica novela de cavalaria “Amadis de Gaula”, do século XVI. São histórias sobre um amor intenso que vence desafios e une pessoas de condições sociais diferentes.
Fadas, reinos, feras, monstros, figuras fantasiosas do obscuro imaginário de crenças populares da Idade Média tornam-se verossímeis na narrativa de cordel. A literatura de cordel revigora essa riqueza e magia. É manifestação cultural popular e é arte literária de grande valor.
DAMASCENO, Elenilto Saldanha. Nossa literatura de cordel. Jornal VS, São Leopoldo, p. 11, 2 set. 2021.
