O classicismo latino na poesia barroca

No período da Renascença, movimento artístico e científico dos séculos XV e XVI, perseguiu-se a ideia da perfeição formal para a qual foram definidas, como modelos, as produções artísticas e literárias da Antiguidade Clássica. Daí a origem do termo Classicismo para designar a doutrina e o estilo artístico e literário baseados na tradição clássica greco-latina.

A concepção filosófica no Renascimento era o Humanismo, doutrina que se colocava, expressamente, em uma perspectiva antropocêntrica, em contraste com o teocentrismo predominante nos muitos séculos anteriores da Idade Média. Tais movimentos voltaram-se, especialmente, para as línguas e literaturas clássicas greco-romanas e originaram uma Arte voltada para a perfeição estética e o aprofundamento filosófico, com aspectos mais racionais do que emotivos.

O poeta latino Horácio (65 a. C. – 8 a. C.), autor de “Epístolas”, “Epodos”, “Odes” e “Sátiras”, foi um dos autores revisitados e cuja obra se tornou fonte de inspiração para os poetas renascentistas. Um dos tópicos-chave de Horácio é o carpe diem, conceito de que se faz necessário aproveitar o presente, o dia de hoje, diante da finitude e efemeridade da vida e das indefinições a respeito do destino.

O termo carpe vem do verbo latim carpere, que significa “colher”. Ao parafrasearmos a expressão latina carpe diem, podemos dizer que significa “aproveita o dia”, ou “colhe o dia”. A tradução aceita do verso de Horácio na ode “A Leucônoe” é “Aproveita o dia de hoje, confiando pouco no de amanhã”.

O Brasil não viveu o Renascimento. No século XVI, vivemos o primeiro século de ocupação e dominação portuguesa. Apenas no século XVII é que surgem obras literárias representativas produzidas na colônia: a arte retórica do orador e padre português Antônio Vieira e as poesias sacra, lírica e satírica do baiano Gregório de Matos Guerra. Suas obras foram caracterizadas, mais tarde, como pertencentes ao Barroco brasileiro.

Gregório de Matos seguiu o conceptismo, tendência literária que priorizava a exploração das ideias e conceitos mais do que a das palavras. Em sua obra, o conceito horaciano se faz presente nas temáticas abordadas.

A questão da efemeridade da vida, sua brevidade e finitude pode ser percebida nos versos deste soneto de Gregório de Matos:

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,

Depois da Luz se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura,

Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?

Se formosa a Luz é, por que não dura?

Como a beleza assim se transfigura?

Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,

Na formosura não se dê constância,

E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,

E tem qualquer dos bens por natureza

A firmeza somente na inconstância.

Notam-se aqui, também, traços da filosofia grega epicurista que trata da finitude e da inconstância dos bens materiais. Se o Sol, com todo seu esplendor, se submete ao ocaso diário, a vida humana e demais bens, por natureza, não têm firmeza e morrem em tristes sombras.

O destino, o fado, também é considerado de forma racional e não emotiva. A “roda da fortuna” é imprevisível, e nutrir esperanças sobre um futuro desconhecido não é considerada uma atitude sábia na concepção filosófica clássica.

Na seguinte estrofe de outro de seus poemas, Gregório de Matos mostra um interessante quadro sobre as mudanças que o tempo e o destino podem operar e, diante da sua infelicidade, questiona por que a vida é tão breve para os outros, mas tão longa para si e o seu sofrimento.

Tempo, que tudo trasfegas,

fazendo aos peludos calvos,

e pelos tornar mais alvos

até os bigodes esfregas:

todas as caras congregas,

e a cada uma pões mudas,

tudo acabas, nada ajudas,

ao rico pões em pobreza,

ao pobre dás a riqueza,

só para mim te não mudas.

Diante dessas questões, da brevidade e da imprevisibilidade da vida, cabe aos seres humanos desfrutarem as relações afetivas de forma equilibrada e livre. Dessa forma, segundo o poeta, relacionamentos amistosos entre amigos e relacionamentos sexuais sem envolvimento amoroso seriam necessários para tornar a vida feliz e o espírito imperturbável. Também nessas relações, a razão deve imperar sobre os sentimentos. O convite amoroso almeja, unicamente, o gozo do vigor, da formosura e do prazer de forma livre, não libertina.

É o que percebemos neste soneto de Gregório de Matos:

Discreta e formosíssima Maria,

Enquanto estamos vendo claramente

Na vossa ardente vista o sol ardente,

E na rosada face a Aurora fria:

Enquanto pois produz, enquanto cria

Essa esfera gentil, mina excelente

No cabelo o metal mais reluzente,

E na boca a mais fina pedraria:

Gozai, gozai da flor da formosura,

Antes que o frio da madura idade

Tronco deixe despido, o que é verdura.

Que passado o zenith da mocidade,

Sem a noite encontrar da sepultura,

É cada dia ocaso da beldade.

Se o Barroco do século XVII extrapolou um pouco os valores do Classicismo renascentista e se tornou um estilo caracterizado pelo dinamismo da forma e pela profusão ou suntuosidade dos elementos ornamentais nas Artes e na Literatura, o século subsequente apresenta uma nova corrente, denominada Neoclassicismo ou Arcadismo, a qual será tema do próximo artigo.

Referência bibliográfica:

MATOS, Gregório de. Senhora dona Bahia: poesia barroca. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.

Foto por Pixabay em Pexels.com

Publicado por eleniltosaldanhadamasceno

Sou professor de Língua Portuguesa e de Literatura, jornalista e iniciei, em 2020, minhas atividades como escritor em formação e em ação. Sou mestre em Letras/Estudos de Literatura, especialista em Literatura Brasileira, graduado em Letras e em Jornalismo. Tenho 54 anos, nasci e sempre vivi em São Leopoldo/RS.

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