No período de transição do século XIX para o século XX, a literatura brasileira sofreu influências dos movimentos de vanguarda da arte moderna europeia. No Brasil, uma classe média emergente assumia valores tipicamente burgueses, entre eles a valorização da intelectualidade. A maioria dos autores seguia essa tendência. Conforme o crítico literário José Guilherme Alves Merquior, “Quanto mais difícil o estilo, tanto mais valorizada a capacidade intelectual do escritor. Assim a estética pós-romântica, quer pela sofisticação da linguagem (parnasianismo, impressionismo, simbolismo), quer pela intelectualização do conteúdo (romance naturalista, cheio de pretensões ‘científicas’), exercia uma função heráldica, hierarquizante”. Influenciada por essa tendência e pelas estéticas artísticas europeias, a literatura nacional tornou-se mais universal e menos nacionalista.
No Brasil do início do século XX, havia dois estilos predominantes de criação poética: o Parnasianismo e o Simbolismo. Se na literatura europeia o Simbolismo foi o precursor das tendências que marcaram o início do século XX e deram origem à poesia moderna, no Brasil esse estilo de época desenvolveu-se à margem da instância hegemônica de influência e prestígio. A poesia parnasiana era a poesia “oficial”, o padrão estético literário. O Parnasianismo, com temática desapegada da realidade, contribuía para a assimilação de valores ideológicos dominantes em período histórico de conflitos e de transformações sociais. Abafada por essa ideologia dominante, a poesia simbolista era criticada como arte desequilibrada e deformada.
Todavia, o crítico literário e professor Afrânio Coutinho destaca que, “Por volta de 1910, tanto o Simbolismo como o Parnasianismo estavam estagnados, resultando daí uma fase de transição e sincretismo, durante a qual epígonos ainda se esforçavam por poetar segundo os cânones gastos e superados. Reinava ainda uma atmosfera de dúvida e hesitação. Certa inquietação, porém, fazia pressentir reformas radicais, que estavam como que no ar”. É nesse contexto que, segundo o crítico literário e professor Alfredo Bosi, “fora e acima desses vários grupos encontramos o mais original dos poetas brasileiros entre Cruz e Sousa e os modernistas: Augusto dos Anjos”.
A obra do poeta paraibano Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos surgiu nesse contexto histórico-cultural híbrido e conturbado. Como foi exposto anteriormente, foi um período eclético na literatura brasileira. Não havia uma escola única, pois conviviam autores simbolistas, parnasianos, realistas, naturalistas e outros que, mais tarde, seriam reconhecidos como pré-modernistas. Bosi classifica esse período de transição histórica e literária como período de “sincretismo”.
Augusto dos Anjos é o poeta brasileiro mais importante dessa época. Coutinho destaca sua produção como “uma poesia cuja feição constituiu por muito tempo um óbice ao enquadramento nesta ou naquela tendência estética”.
Entretanto, há elementos comuns de aproximação entre as obras de Augusto dos Anjos e do poeta catarinense João da Cruz e Sousa, este o principal poeta simbolista brasileiro. Alguns poemas de Augusto dos Anjos são inspirados na obra do poeta francês Charles Pierre Baudelaire, precursor do Simbolismo. Mais particularmente, essa aproximação à estética simbolista possibilita analogias entre as produções desses dois importantes poetas brasileiros do início do século XX.
A poética de Cruz e Sousa apresenta uma evolução importante no emprego da subjetividade, alçada a uma posição mais universalizante, representativa do sofrimento e da angústia de toda a humanidade. A libertação desse sofrimento humano é representada através da anulação da matéria e da total libertação da espiritualidade consolidada através da morte.
Bosi destaca que Augusto dos Anjos manifesta, também, “uma angústia funda, letal, diante da fatalidade que arrasta toda carne para a decomposição da morte”. A morte, portanto, é tema comum e recorrente nos versos dos poetas. Contudo, para o poeta simbolista, a morte representa a anulação da matéria para a libertação da espiritualidade. Já para Augusto dos Anjos, conforme Bosi, ao contrário, “as forças da matéria, que pulsam em todos os seres e em particular no homem, conduzem ao Mal e ao Nada, através de uma destruição implacável”.
O tema “morte”, nos versos dos dois poetas, pode ser esquematizado do seguinte modo.
Morte – Cruz e Sousa | Morte – Augusto dos Anjos |
Anulação da matéria | Ação das forças da matéria |
Libertação | Destruição |
Vitória do espírito | Vitória da morte |
Assim, ainda segundo Bosi, através do tema “aproximam-se o blasfemo Augusto dos Anjos e o crente Cruz e Sousa”.
A eterna angústia humana e sua nunca libertação são expressas, por exemplo, pelo eu-lírico de Eterna mágoa nas duas últimas estrofes desse soneto de Augusto dos Anjos.
“Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, e que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!”
Além desses aspectos temáticos (a morte e a angústia do “eu” diante de sua existência), os poetas aproximam-se linguisticamente, pelo emprego de léxico rebuscado, com vocábulos criteriosamente selecionados e pouco usuais, e pela construção de versos sonoros.
Estruturalmente, seus poemas aproximam-se pela valorização do soneto, pela preferência por quartetos com versos decassílabos cadenciados, pelo ritmo e pelo usual emprego de rimas ricas.
